domingo, 8 de outubro de 2017

AURÉLIO


Aurélio era um homem comum. O tipo de homem habituado aos costumes da vida de casado e aos compromissos familiares. Pai de dois filhos, esposo devoto, contador autônomo, carro popular, hipoteca da casa, dívidas sempre honradas, férias no Guarujá e uma rotina que poderia ser classificada de o sinônimo do tédio. Aurélio era assim: prático, sem emoções.

Sua esposa, Augusta era uma santa, como ela mesmo costumava de pensar de si mesmo. Agradecia a Deus todas as noites pelo marido honrado que tinha e os lindos filhos que não paravam de crescer. Ambos com a cara do pai. Um orgulho para ambos. Dona de casa dedicada. Passava os dias hipnotizada pelos programas vespertinos. Ouvia com invejável concentração cada nova receita de bolos e pratos bem elaborados que os apresentadores construíam com ajuda de chefs renomados e soberbos. Tudo pela família.

Quase todas as noites era uma nova aventura sensitiva para os filhos e o nobre marido, que saboreavam as mais sofisticadas receitas disponíveis na televisão. Augusta costumava dizer com desenvoltura “essa Lula recheada com shimeji é considerada uma iguaria da culinária japonesa. Impressionante como tínhamos preconceitos incompreensíveis pelos fungos”. Augusta gostava de agradar e impressionar. Afinal, tinha a família que sempre sonhara e vivia seu conto de fadas pessoal de maneira modesta e feliz.

Com o passar dos anos, no entanto, Augusta sentiu que tinha algo estranho no seu casamento. Aurélio perdera um pouco da timidez peculiar e se mostrava mais animado do que de costume durante os jantares. “Papai está pensando em entrar na academia, o que acham meninos?” Aurélia pensou que fosse ter um AVC com a novidade tão repentina. “ACADEMIA? Mas você nunca foi disso, Aurélio? Você está doente?” Sorridente,  Aurélio expos a ideia. “Meu médico sempre pediu que eu tomasse cuidado com minha taxa de colesterol, porque não dar um jeito nela antes de começar a me preocupar.” Augusta quase surtou com a disposição repentina, mas esperou irem para cama para conversar com mais privacidade sobre o assunto.

“Aurélio, você está doente, meu bem?”, perguntou ela. “Para com isso, pequena, quero só melhorar minha condição física para ter melhor disposição no trabalho”, explicou ele enquanto folheava as últimas páginas de um romance de James Patterson. “Não quero me preocupar, só isso”, lamentou ela, virando para o lado e desejando que o marido não ficasse doente nunca. Afinal, Augusta era dona de casa. Excelente, mas só sabia cuidar da família.

Mas as mudanças não pararam por aí. Aurélio planejou com grande eficiência seus dias melhores. Passou a frequentar uma academia quase que diariamente, sempre pelas manhãs, antes do trabalho. Ficou tão empolgado com os resultados visíveis, que se motivou a pagar um personal trainer a ajudar na construção de um corpo de aço. “Olha Augusta, minha camisas estão começando a ficar justas nos braços”. Augusta, que nunca foi de reparar em homens malhados, respondia com desdém o exibicionismo do marido. “AH”, suspirava ela se concentrando na louça.
Aurélio era a empolgação em pessoa de shorts, tênis com amortecimento, regata dry fit e ipod. Vivia pela nova vida e, sem vacilar, lançou mais uma mudança radical em meio à sobremesa de creme brulee. Especialidade das quintas-feiras. “Estava pensando em pintar meus cabelos. Esse tipo de tintura que você utiliza serve para homens, pequena?”, indagou. “O que é isso, Aurélio? Não acha que está indo longe demais?”, protestou ela. “Ué, você sempre me disse que eu tinha uma mania quase repulsiva de ficar bebendo cerveja e ver televisão. Estou querendo me cuidar. Isso é algum crime?”. Augusta se calou e se retirou da mesa antes de terminar sua sobremesa. O pai se encarregou das crianças enquanto ela foi para o quarto se preparar para dormir. Aurélio entrou timidamente no quarto e viu a esposa aplicando uma mascara facial noturna. Ao sentar ao lado dela, lançou seu discurso. “O que é, pequena? Não gosta de ver seu marido em forma, saudável e mais bonito?”. Cabisbaixa, Augusta olhou discretamente para as mãos marido e as pegou com firmeza. “Estou, estou muito feliz, mas isso é tão entranho vindo de você, Aurélio. Por Deus, você é contador e de repente tem uma epifania de se tornar um atleta?” Aurélio bronqueou “Quer dizer que você acha que minha profissão não me qualifica a fazer algo mais empolgante? Eu me resumo a alguém que conta números o dia todo e se satisfaz em casa sentado na frente da TV com uma cerveja?”. “NÃO, PELO AMOR DE DEUS. NÃO, AURÉLIO”, começou a choramingar ela. “Então é só isso que eu devo ser? UM CONTADOR? UM MERO CONTADOR PRA VOCÊ, ENTREGAR MEUS DIAS A ESSA ROTINA TEDIANDE ESPERANDO A MORTE?”, enfatizou se levantando da cama. “AURÉLIO, POR FAVOR, PELO AMOR DE DEUS. NÃO É ISSO QUE EU PENSO DE VOCÊ. POR FAVOR, ME PERDOA. EU QUERO QUE VOCÊ SEJA FELIZ SENDO MAIS JOVEM, FAZENDO ESPORTE, POR FAVORRRR”, gaguejava Augusta, abraçada as pernas do marido, enquanto as lágrimas manchavam sua calça perfeitamente engomada pela dedicada senhora. “O que é isso, benzão? Levanta. Senta aqui comigo. Passa um pouco desse creme em mim também. Não quero ficar um velhote perto de uma mulher tão linda e jovem como você”, decretou. Augusta sorriu discretamente e molhou os dedos no porte de creme e passou com delicadeza em volta dos olhos vibrantes de Aurélio. Beijaram-se profundamente e foram dormir. Afinal, não era sábado e não havia ocasião especial. Certos costumes são difíceis de serem quebrados.

Os dias se passaram e Augusta tentou – veja bem, tentou – ser uma esposa compreensiva. Organizou até uma gaveta para as roupas de ginástica de Aurélio, que não paravam de crescer durante os meses. Em uma dessas arrumações, Augusta encontrou algo que quase a fez realmente ter um AVC. Um catálogo de modelos de cuecas. Cuecas caras, cuecas chiques, cuecas exclusivas. Sob abdomens onde Augusta poderia esfregar uma calça jeans encardida. ‘Jesus, o que é isso?’, pensou ela.  Indo mais a fundo, Augusta desenterrou mais um dos segredos de Aurélio. Fotografias de homens musculosos, sarados, em forma e uma revista de como parecer com eles. Augusta escondeu imediatamente o material do marido e fechou a gaveta com força. Onde estava indo essa mudança?

Durante o jantar, Augusta tentou ser uma anfitriã eficiente. Serviu à mesa, explicou o menu e quase, sem pedir, decantou o vinho. Aurélio percebeu logo. “Tudo bem, pequena?”, disse ele. “Sim, sim, tudo ótimo. O seu jantar está agradável?”, cortou ela com um sorriso cínico no rosto. Enquanto Aurélio esticava as pernas no sofá e ligava a TV, Augusta se prontificou em fazer companhia. Durante a apresentação do jornal da noite, Aurélia notou uma chamada do apresentador: ‘NOVO TRATAMENTO DE BOTOX GARANTE RESULTADOS DIFINITIVOS E INDOLOR PARA PACIENTES’. “Nossssaaaa, o que acha de fazer um botox para melhorar essas linhas de expressão, heim Aurélio”. “Hum, talvez. Acho que sim, vou começar a pensar no assunto.”, avaliou ele. “Quer dizer que você toparia?”, indagou ela. “Sim, por que não?”. “ENNNTTTÃÃÃÃOOOOO, DEVO SUPOR QUE VOCÊ TAMBÉM APOIA O CASAMENTO GAY?”, disse ela num tom elevado. “O que é isso, Augusta?”, disse ele olhando os filhos brincando na sala de estar. “Você bebeu hoje?”, grunhiu ele levantando um copo imaginário. “NÃÃÃÃOOOO, PORQUE ALGUÉM COM A MENTE TÃO ABERTA A INOVAÇÕES NÃO DEVE SER CONTRA ISSO TAMBÉM?”, dramatizou cruzando os braços enquanto afundava no sofá. “Acho que as pessoas têm o direito de serem felizes, tá legal”, arrematou num tom pouco convidativo ao embate.

No outro dia, Augusta não teve dúvidas quando o marido saiu para trabalhar. Ligou imediatamente para a sua amiga-confidente-e-guru-particular. “ROSINHA, AMIGA, ACHO QUE O AURÉLIO VIROU GAY!!!” disparou ela logo após ouvir o clique do telefone. “Augusta, o que foi? Quem virou gay?”, indagou curiosíssima. “O AURÉLIO, ROSINHA. O AURÉLIO MUDOU DE TIME”, gritou ela de volta. “GAAAAYYYYY? GAY COMO, AUGUSTA?”, retrucou Rosinha como surpresa. “HORAS, GAY, ROSINHA. BICHA, VIADO, QUEIMA-ROSCA, VIRA A MÃO, HOMOSSEXUAL, FÃ DE CHER, BARBARA STREISAND, LISA MINELLI. GAY, ROSINHA. GAY! AÍ, JESUS”, descarregou ela aos prantos.

Em minutos, Rosinha parou o sedan vermelho em frente à casa da amiga exigindo detalhes e provas que levaram a Augusta a acreditar que Aurélio agora brincava de colocar a cobra na toca. Após derramar a montanha de material de homens seminus e musculosos, Augusta foi categórica. “AINDA ME DISSE QUE VAI FAZER UM LIFTING. UM LIFTING! E MILITAR PELO CASAMENTO GAY. AAAAAÍÍÍÍI´, AMIGA, MEU CASAMENTO ACABOU!”, desabafou Augusta, colocando mais uma dose de uísque no copo. “Nossa, Gu, que coisa. Mas veja o ponto positivo nessa história?”, falou a amiga. “O que?”, disse lamentando Augusta. “Ele tem um gosto impecável para homens. David Backham, Jesus Luz, Brad Pitt. Nem eu teria escolhas tão refinadas”. “Rosinha?”, chamou Augusta. “Quê, amiga?”, enquanto olhava fixamente as revistas. “VAI TOMAR NO CU!”.
Rosinha passou a tarde ouvindo a derrapada mortal do casamento da amiga. Sabia que aquilo tinha arruinado a vida dela e, consequentemente, da família. Seria exposta aos mais maldosos comentários por parte dos vizinhos, amigos e, sem dúvida alguma, da sua mãe, a qual nunca morreu de amores por Aurélio. “Mamãe vai jogar isso pro resto da vida na minha cara, Rosinha. Eu não irei suportar tamanha humilhação.”, disse chorosa Augusta. “Calma, amiga, pensa nos meninos. Eles precisam de você agora.”, sugeriu. “Os meninos, meu Deus, se não fosse por eles, já teria virado aquele vidro de Ajax com as duas cartelas de rivotril que eu tenho no banheiro.”, tranquilizou Augusta.

Ficou decidido entre elas que a separação seria discreta, respeitosa e digna. Não haveria reconciliação diante de um fato repugnante como esse. O casamento fora enterrado pela promiscuidade e mentiras de Aurélio. Não havia solução, a não ser flagrar o delito com o suposto amante do marido, o qual Augusta tinha calafrios só de imaginar. “Eu não vou aguentar isso, amiga. Eu vou morrer na hora”, protestava Augusta. Mas Rosinha a convenceu que era a melhor forma de conseguir uma prova irrefutável da infidelidade de Aurélio. O porco traidor, como se referiam a ele agora.
Numa quinta-feira, quando Augusto costumava a se exercitar até mais tarde no parque da cidade, Augusta decidiu que aquele seria o dia D. Se arrumou como uma senhora recatada, perfumou-se e dirigiu até o trabalho do marido, quando, às cinco horas, ele sairia para se esfregar em machos musculosos e repulsivos em algum motel barato que a mente de Augusta a levava. ‘Será que não era a hora de uma manifestação divina a la novo Sodoma e Gomorra nesse parque?’, delirava ela numa confusão de ódio e pena.

Às cinco horas em ponto, Aurélio se dirigiu ao seu treino habitual no parque. Oito quilômetros, como ele se gabava de contar para os filhos. ‘Velho sem vergonha’, se indignava ela. Depois de duas voltas completas pelo parque, Augusto desapareceu em meio às árvores. Augusta entrou em desespero. Havia parado seu carro a uma distância segura, de modo que pudesse enxergar o marido quando voltasse ao carro e ficasse despercebida. Quando arrumava a bolsa para sair a pé atrás do canalha, viu as luzes de freio do carro de Aurélio se acenderem e sair rapidamente do estacionamento. Augusta não vacilou e seguiu o carro a uma distância que não poderia perder de vista. ‘Hoje eu te pego, senhor ATLETA’.
Quando o carro imbicava para entrar em um motel próximo ao parque, Augusta viu o vulto do canalha que vinha transando com o marido. O salafrário, destruidor de lares, já estava com ele dentro do carro e Augusta não o havia notado. Agora era tarde. A farsa iria cair. Em poucos minutos. A verdade será exposta. Aurélio, canalha, traidor, viado, malhador, velho sem vergonha, será descoberto.

Antes de descer do carro e ir para o motel, uma última recomendação. “Rosinha, alô? Peguei o filho da mãe. Está com outro dentro do motel neste momento. Vou pegá-lo no pulo.”, resumiu Augusta. “Aí, AMIGA, QUERIA ESTAR AÍ CONTIGO. VAI FUNDO. METE O PAU NAS BICHAS. OPA, QUER DIZER, ACABA COM ESSES MENTIROSOS”, gritou empolgada do outro lado da linha, enquanto distraía os gêmeos que se responsabilizou de cuidar durante a operação.
Munida de sua identidade de esposa traída, Augusta se dirigiu a recepção e exigiu saber em qual quarto se encontrava o canalha do marido. Estranhamente habituada com aquele tipo de confrontação, a atendente informou sem vacilar o número do quarto e voltou ao teste de uma revista adolescente.
Era agora. Augusta, mulher santa, esposa devota, mãe carinhosa prestes a se tornar uma heroína da família e justiceira dos bons costumes. O marido, o salafrário, gay e mentiroso iria sofrer com a culpa pelo resto da vida. Quando se aproximou da porta do quarto, em um corredor apertado, de um antigo sobrado que havia se tornado em motel para fornicação alheia, Augusta olhou a porta e a notou apenas encostada. A esposa traída foi empurrando delicadamente a porta enquanto uma luz fraca num ambiente sombrio e abafado revelavam, enfim, o algoz da relação de um casal que um dia havia sido feliz.

Augusta encontrou o interruptor e a claridade revelou algo que mudou completamente a vida de Augusta. Todas suas dúvidas, medos, incertezas e vergonhas naquele momento. “FERNANDA?”, indagou Augusta ao ver a jovem assistente do marido cobrindo o busto com o lençol, enquanto o marido saía do pequeno banheiro. “AUGUSTA, MEU DEUS!”, disse ele surpreso. “EU...EU...AURÉLIO, VOCÊ ESTÁ TENDO UM CASO COM A FERNANDA?”, perguntou a esposa. “Meu bem, desculpe, eu não queria que fosse assim. Mas depois que comecei a malhar e a ficar em forma, a Fernanda se aproximou e uma coisa acabou levando a outra. Eu não queria te magoar. Eu queria ser feliz, mais jovem, mais vigoroso, como um ator ou um jogador de futebol. E a Fernanda me deu isso. Infelizmente, você nem me tocava”, reclamou Aurélio envergonhado. “Quer dizer que aquelas revistas eram modelos de homens que você queria ser? De uma fantasia que você desejava?”, perguntou Augusta estupefata. “Sim, me desculpe. Eu não quis te ferir.”, afirmou Aurélio.
Sem se preocupar com a cena constrangedora, Augusta fechou a porta e foi direto para a casa de Rosinha, pegou os filhos e correu pra casa sem dizer uma palavra sobre o ocorrido. Havia luz, Augusta era uma mulher comum de novo. Era uma mulher traída, mas quem não era naqueles dias. O marido não era gay, era um canalha. Isso ela suportava. Só não iria conseguir viver como uma divorciada. Isso era a morte para Augusta.

Antes das 19h30, o jantar estava posto, as crianças na mesa e o carro de Aurélio acabava de estacionar na garagem. Ele entrou, sentou à mesa e antes que pudesse dizer qualquer coisa, a mulher disparou. “Você prefere purê ou batatas fritas?”


Leonardo Carvalho – Maio de 2012

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Departamento de Falsificações

Departamento de Falsificações 

__ Alô, bom dia. É do departamento de falsificações?
__ Não, é da superintendência da Polícia Federal.
__ Opa, desculpa, é enga.
__ Não, não desliga não. Você queria comprar o que falsificado?
__ Nada! Não queria comprar nada.
__ Queria sim, ligou atrás de produtos falsificados.
__ ...
__ Perdeu a língua agora, tô com seu telefone aqui. Quer que eu mande 30 agentes aí conversar contigo pessoalmente?
__ Uma carteirinha de estudante.
__ Ah, carteirinha de estudante, molecão? Qual sua idade?
__ Trinta e cinco.
__ Trinta e cinco e querendo pagar meia no cinema ainda?
__ Show na verdade.
__ De quem?
__ Avenged Sevenfold.
__ Porra, que banda do caralho. Sheppard of Fire é uma paulada no córtex.
__ Você gosta, policial?
__ Adoro! Quanto o ingresso?
__ Seiscentos reais.
__ Seiscentos reais? É o Stones por acaso?
__ Pois é...
__ Então, falsificar documentos é crime federal com pena de 3 a cinco anos em regime fechado.
__ Hum.
__ Não curte ver pela TV?
__ Você se masturba?
__ Como?
__ Bate uma, descascar a banana, bater castanhola, descabelar o macaco. Sabe, punheta?
__ Prefiro foder.
__ Pois é, eu também prefiro me foder a ter que ver algo na TV. Vai me passar quem falsifica essa porra ou não?

Léo Carvalho - Fevereiro 2014

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

COMPLEXOS

O mundo é cheio de complexos, dúvidas, má informação e preconceito. As pessoas concebem opiniões com a mesma facilidade que comentam a novela das nove horas. Ninguém se safa: marido, esposa, filho, cunhado, primo, vizinho, cachorro, político, atriz, etc. Todo mundo reunido ali, dentro da cabeça de cada inquisidor, prestes a ser julgado. Alguns de maneira ácida, inapropriada, mal educada e muitas vezes cruel. Há quem diga e até defenda em teses enfadonhas de doutorado que quando você critica alguém é uma forma de você aliviar toda insegurança que sente sobre si. A filosofia do tudo o que nos irrita nos outros é aquilo que nos irrita em nós mesmos. Método eficaz para quando  ver um homossexual na rua e gritar “Viado!”, “Queima-rosca”, “Richarlison”, “Pelotense”.

As pessoas realmente sentem um alívio ao comentar a respeitos das outras. As mulheres então, que o digam. São quase socialites quando se vêem acurraladas pela amiga mais magra, mais linda, com um marido mais bonito. Falsas, porém simpáticas.

Na vida de Tabajara Carneiro isso não foi diferente. Ele saiu lá de Passo Fundo, de uma família média e tradicional, e tinha sempre dois desafios quando se apresentava: Onde fica Passo Fundo e Tabajara, TA-BA-JA-RA,  é sobrenome?  Dependendo do estado, gente mal informada tem tanto quanto periguete em baile funk. A vida pode ser bem cruel.

__ Obrigado por ter ligado para TIM, seu nome, por favor.

__ Tabajara.

__Taba o que?

__TABAJARA!

__TABAJARA?

__SIIMMM, TA-BA-JA-RA!!!

__Ok senhor, e o seu primeiro nome?

O cotidiano tinha dessas coisas e quando o Jovem encontrava alguém na mesma situação, se tornava amigo imediato. Veridiano e Adroaldo se tornaram seus amigos instantâneos. Falar com alguém que sofria da mesma síndrome do nome diferente ajudava a superar o inferno das piadas.

Tabajara acreditou em si. Botou fé no seu potencial e estudou. Se tornou médico respeitado, casou com alguém que era mais linda e mais jovem, se aventurou na política e conseguiu um status que sempre quis na infância. Assim, quando a vida parecia boa e perfeita, o Casseta & Planeta, numa triste demonstração de falta de criatividade humorística, inventa as “Organizações Tabajara”.

__Ei Dr. Tabajara, onde eu compro aquele “carro disfarceitor tabajara”?

__Dr, Tabajara, o senhor vai ficar milionário se patentear aquele “Personal Pintovision Tabajara”. Eu não vejo o meu há uma década.

Tabajara só se lamentava e por vezes ria das idéias esdrúxulas. Fazia parte da vida dele. Ele só queria ser alguém com um nome normal e trivial, Marcelo, Alfredo, Roberto, Eduardo. No desespero, confessou a um amigo:

__Gerson,  até Clóvis eu aceitava, cara.

__Clóvis, Taba? Não é meio afeminado.

__Mas até ser gay é ser menos questionado.

Perguntas sobre o nome incomodavam, mas não era o grande problema.  Explicar a origem sem expor mais questionamentos era quase uma missão impossível.

__ Meu nome vem do TUPI, que era uma tribo indígena. Significa senhor da aldeia.

__ Nossa Taba, nem índio você parece. Tá mais pra alemão.

__ Estou dizendo que o nome tem essa origem, não que eu seja descendente de índios. 

__ Hum, você parece com Hans.

__ E você parece com Bráulio.

Era difícil aturar. Aeroportos então provocavam calafrios. Perder o cartão de embarque ou ficar em lista de espera era um teste de nervos. “Minha querida, não precisa chamar meu nome no microfone, estou sentadinho bem ali, é só me chamar.”

A falta de um nome comum, gerou falta de auto-estima e falta de auto-estima gera falta de personalidade.

__ Berenice, vou mudar meu nome.

__ Como assim, Tabajara, vai mudar por quê?

__Cansei, horas. Casei das explicações, das chacotas, dos trocadilhos...

__ E que nome é apropriado pra você então.

__ Haroldo.

__Haroldo?

__ É horas, Haroldo. É um nome comum e ao mesmo tempo diferente.

__ Não gosto.

__Por que não?

__ Porque quando eu gritar com você não vai ter um impacto grande. Olha só, HAAAARROOOLLLLDDDDDDOOOOO. Parece que to chamando o mordomo para trazer o papel higiênico. Que tal Heródoto?

__ Parece nome de planta estranha?

__ Claudemir?

__ Operário.

__Estevan?

__ Político corrupto.

__ Davi?

__ Bíblico demais.

__ Eraldo, Antenor?

__ Psicopata e Bêbado.

__ Quer saber, Tabajara. Muda seu nome para Eulâmpio que eu não vou parar de te chamar de Tabajara mesmo.

__ Eulâmpio?

__ Pois é, é o nome do noivo da minha recepcionista.

__ Huuuummmmm.


Depois daquela noite Tabajara teve a epifania de que num mundo onde as maldições atingem as pessoas de diferentes modos, sejam elas através de nomes estranhos ou doenças contagiosas. Porém, ele se sentia um novo homem. Iria acordar cedo no outro dia e pedir cartões de visita novos decorados com dourado no seu primeiro nome. Uma placa maior e mais chamativa também seria confeccionada para porta de seu consultório: DR. TABAJARA CARNEIRO! A vida não era tão mal assim, afinal, depois de Eulâmpio, ele passou a se sentir a pessoa mais afortunada do mundo.

Léo Carvalho - Agosto 2013

terça-feira, 1 de outubro de 2013

E-SEX

Advogato entra na sala.

PrincesaKarente entra na sala.

PrincesaKarente diz: oi amor, que saudade!

Advogato diz: oi linda... no hotel já.

PrincesaKarente diz: Tá cansadinho?

Advogato diz: Sim, um pouquinho.

 PrincesaKarente diz: Amorrrrr. Quer brincar um pouquinho?

Advogato diz: opa!

PrincesaKarente diz: Ok, estou usando uma blusinha de seda bem sexy, com fechamento um pouco abaixo dos meus seios, onde escondo um wonderbra vinho, todo detalhado com formatos de azaleias e uma mini saia preta com uma fenda provocativa na perna esquerda. E vc?

Advogato diz: Eu estou com uma calça de moletom que usava para dormir na faculdade e uma camiseta branca do rock in rio 85. Tá um pouco suja, pois derrubei macarrão quase agora jantando.

PrincesaKarente diz: Nossa, que SEXY, Marco Túlio.

Advogato diz: sarcasmo???

PrincesaKarente diz: Um pouquinho. Bom, então vem garanhão, arranca minha roupa e me domina.

Advogato diz: Arranca? Vc nunca gostou de brutalidade. Se eu me lembro bem, uma vez vc foi bem específica dizendo para eu deixar de agir como um adolescente masturbador.

PrincesaKarente diz: Você era muito grosseiro, Marco Túlio.

Advogato diz: Eu não tinha prática, horas.

PrincesaKarente diz: A boneca inflável não era um treinamento pra vc?

Advogato diz: PELA ÚLTIMA VEZ: aquela boneca foi um presente de amigo da onça da empresa. Não era minha namorada.

PrincesaKarente diz: Então, pq vc chamava ela de Brenda?

Advogato diz:  Amor, esquece isso!

PrincesaKarente diz: Ok,então, estou com minha blusinha sexy, com minha saia cortada, com uma perna apoiada na cama, esperando você.

Advogato diz: Pera, que cheiro é esse?

PrincesaKarente diz: Estou usando a colônia que minha mãe me deu.

Advogato diz: Porra, você sabe que sou alérgico. Afe, acho que vou... AAAATTTCCCHHHIIIMMMM. Gata, acertei sua blusa.

PrincesaKarente diz: Tá, tudo bem, agora que você sujou, rasga logo. Vem, gatão.

Advogato diz: Ok, rasguei sua camisa de seda caríssima e deixei amostra seus seios fartos nesse sutiã azul.

PrincesaKarente diz: Vinho.

Advogato diz: É que está um pouco escuro aqui. Posso acender uma vela?

PrincesaKarente diz: Acende, mas não para.

Advogato diz: Tá, onde você guarda os fósforos?

PrincesaKarente diz:  No armário da cozinha, o de cima da geladeira.

Advogato diz: Hum, não acho!Você mudou alguma coisa aqui?

PrincesaKarente diz: NÃO, ACENDE A VELA NO FOGÃO LOGO.

Advogato diz: Ok, vou colocar perto na cabeceira para dar um clima gostoso.

PrincesaKarente diz: Ótimo, você rasgou minha blusa, estou deitada com meus seios apontando pra você e insinuando que você tire meu sutiã.

Advogato diz: Amor?

PrincesaKarente diz: O QUE É AGORA?

Advogato diz: Posso ir ao banheiro antes? Eu não consigo, sabe...

PrincesaKarente diz: VAI PELO AMOR DE DEUS, MARCO TÚLIO. Volta logo, ok.

Advogato diz: Rapidinho.

PrincesaKarente diz: Tá.

Advogato diz: Amor?

PrincesaKarente diz: Pronto, gato?

Advogato diz: Então, fui mijar meio excitado e errei um pouco a mira do jato e acertei o cesto de roupas para lavar.

PrincesaKarente diz: Que ótimo, MARCO TÚLIO. Deita aqui e esquece isso. Me domina que eu te quero agora.

Advogato diz: Ok, eu vou me deitando sobre você e vou beijando seu pescoço, mexo no seu cabelo...

PrincesaKarente diz: Ai gato, que delícia. To sentindo você animado já. Eu te quero, me possui.

Advogato diz: Você trocou os lençóis?

PrincesaKarente diz: PORRA MARCO TÚLIO, mês passado. Deixa isso pra lá. A gente está quase lá.

Advogato diz: Pois é, não gosto da cor. Esse pêssego é meio deprê, não.

PrincesaKarente diz: Amor, ajuda vai, tira minha saia e toma o que é seu.

Advogato diz: Ok, tô puxando sua saia. Delícia, suas pernas delineadas, lisinhas...

PrincesaKarente diz: Pra você, gato, beija elas.

Advogato diz: Poxa, não puxa a perna tão rápido. Você chutou o travesseiro e pegou na porra da vela.

PrincesaKarente diz: Hã?

Advogato diz: Viu só, começou a pegar fogo no quarto.

PrincesaKarente diz: Quer saber, tô colocando minha saia fendada, minha blusa rasgada e cuspida e indo embora, seu babaca.

Advogato diz: FOGO, CARALHO. FOGO... FOGO... Você tem extintor em casa?

PrincesaKarente diz: Vai à merda, Marco Túlio.

PrincesaKarente sai da sala.

Advogato diz: Amor?                

terça-feira, 31 de julho de 2012

Ivan Lessa, o filho da pátria


Texto publicado no jornal Ícone - edição de junho - o qual estou disponibilizando agora no blog.

“Três em cada quatro políticos não sabem que país é esse. O quarto acha que é a Suíça.” Com esse humor ácido ficou conhecido o jornalista, cronista e escritor Ivan Lessa, morto aos 77 anos no último dia 8 de junho, em Londres, onde estava em um auto-exílio desde 1978. Lessa era filho dos escritores Origenes e Elsie Lessa, nasceu em São Paulo e foi criado no Rio de Janeiro. Com Ziraldo, Millôr Fernandes, Tarso de Castro e Jaguar, fez parte do grupo que criou o jornal "O Pasquim", em 1969, durante o período mais ferrenho da ditadura militar.

No geral, Lessa era aquele tipo de brasileiro que não poupava esforços para criticar o Brasil por conta de seus infindáveis problemas, grande parte deles gerados pela nossa própria história de uma colonização predadora e ignorante. Para nós, meros espectadores da roubalheira e desorganização do país tupiniquim, as falcatruas dos nossos governantes causavam nauseante mal-estar no escritor que não digeria o pesadelo institucional do Brasil e escrevia três colunas por semana para a BBC Brasil.

Por conta disso, Lessa colecionava inimigos e “pseudopatriotas”, os quais consideravam hipocrisia do jornalista criticar o país a uma distância segura no conforto de Londres. Ledo Engano. Lessa foi, talvez, a figura mais importante ao lado de Millôr (também morto nesse ano) de uma classe intelectual tristemente pouco lembrada pelo povo brasileiro. Tinha seu perfil rabugento, mas nunca deixou de ser um filho da pátria (mas que naturalmente dependia dela para seu próprio trabalho).

O escritor tinha plena adoração pelo Brasil, em especial pelo Rio, onde passou a maior parte da sua infância, no entanto, remetia esses elogios a um passado dourado e elegante da cidade que foi jogada às traças, segundo ele mesmo dizia. Em 2006, depois de 28 anos sem dar as caras no Brasil, Ivan foi convidado pela revista Piauí para fazer um retrato da cidade. “Copacabana, Ipanema, Leblon, Centro, zonas Leste e Oeste, o que quiserem. Curtam o pôr-do-sol, recortem o Corcovado e os Dois Irmãos e botem à venda no eBay. Virá gente. Muita gente. Mas uma vezinha só, ao contrário de Naomi Cambell, que, como se sabe, nasceu e continua assombrando o pobre do bairro de Catumbi. Aqui, no Rio, como poderia escrever o poeta sobre Macau, nada de interessante ou sério aconteceu ou acontecerá.”

Assim, com um potente petardo Ivan desmerecia sem rodeios muitas das nossas idolatradas belezas. Era um sádico, ingrato, mal educado, canastrão? Não, era um sujeito franco que utilizava a inteligência como uma arma de destruição em massa. A nossa massa em particular.

Tinha o sentimento de tragédia e falta de esperança por nós. Povo sem respeito. Será que buscamos padrões de civilizações destroçadas pelas guerras civis e supervisão de caudilhos megalomaníacos?

A partida de Lessa nos deixa mais órfãos. Sem eles, somos criados, burros de carga, cegos ao volante, já que não existe mais ninguém para nos dizer o contrário.

Reuni abaixo algumas das célebres citações do jornalista

“Baiano não dá bandeira. Hasteia.”

“Amar é...Ser a primeira a reconhecer o corpo dele no Instituto Médico Legal.”

“A cada quinze anos, o Brasil se esquece o que aconteceu nos últimos quinze anos”

“Não a motivo algum para sentirmos a vontade no mundo. Os alienígenas somos nós”

“O brasileiro tem que ter os dois pés no chão, e as duas mãos também”

Leonardo Carvalho

terça-feira, 17 de abril de 2012

50 mil vezes Lobão


Há artistas devidamente escorraçados na mídia, que, de tanto criarem polêmicas, caem numa espécie de ostracismo e passam a viver em universos alternativos, o que acaba tornando-os cult. Não sei se João Luíz Woerdenbag Filho, popularmente conhecido como Lobão, se enquadra exatamente nesse perfil, porém, uma das figuras de conceitos mais anarquistas contra as gravadoras em nosso país,tem uma história ácida e elegante em seu livro 50 anos a mil, que quase dois anos depois do burburinho gerado em cima do livro resolvi destrinchá-lo.

Os levianas de plantão que me perdoem, não podem julgar o próprio pela relevância de um dos vídeos mais populares do artista no youtube (quase 300 mil visualizações), onde o público rechaçou a participação da banda do músico a base de garrafadas na noite do metal no Rock in Rio II. Lobão é muito mais que isso.

Num livro de quase 600 páginas, sendo que outras mil foram limadas antes da edição final, feita com o auxílio do jornalista Claudio Tognolli, o qual se encarregou de reunir os fatos publicados na mídia, legitimando assim o discurso do autor, Lobão conta a sua intensa história com a ajuda da memória de amigos célebres, como Cazuza, Evandro Mesquita, Lulu Santos, Julio Barroso, entre outros. Aliás, esse último, serve como abertura do livro, quando ele e Cazuza cheiraram cocaína no caixão durante o velório do amigo falecido, líder do grupo Gang 90 e as Absurdettes.

Os amigos presentes em fotos e em histórias que dão corpo à obra é outro coadjuvante, assim como as bandas pré-carreira solo: Vímana e Blitz, a quem Lobão diz ter batizado, por mais que o cantor Evandro Mesquita não confirme o fato.

Boa parte do livro também tem forte influência da família do músico, em especial a mãe, mulher liberal e quase ao mesmo tempo reacionária na criação dos filhos. Lobão não poupa detalhes dessa relação de amor e ódio que manteve com os pais, desenhando um mundo entre o absurdo e a ternura. A mãe de Lobão sem dúvida ganha destaque pelos acontecimentos surreais para uma época moralista de uma família aristocrata. É de se perder o fôlego em episódios quando ele, junto da irmã mais nova, provam maconha com consenso da mãe, o que acabou gerando a sua expulsão, com total ausência de delicadeza por parte do pai, de casa.

No livro, é fácil imaginar a voz de Lobão narrando os casos, por conta da opção de preservar “léxico e a sintaxe peculiares e autorais" do biografado, segundo nota do editor. Portanto, episódios como o de sua passagem pela cadeia, fuga do Brasil e guerra contra as gravadoras tomam uma vivacidade surpreendente.

Não é natural se aproximar de uma biografia de alguém que te remete mais ao caos que ao próprio trabalho. Contudo, 50 anos a mil tem muito mais que isso. A energia é contagiante vinda de um músico inteligente, criativo e, por vezes, perturbado e neurótico. Um livro necessário para quem aprecia música e história do rock nacional.

terça-feira, 20 de março de 2012

No fundo do Pornô


Tenho o costume de recomendar nessa coluna os mais diversos livros, os que me agradam, naturalmente, no entanto, neste mês vou fazer um bem bolado coma cultura pop (depende do seu ponto de vista) e fazer uma indicação dupla, que vai pegar todos seus amigos fãs de literatura e filmes do Goddard de surpresa. Trata-se do livro Pornô (2002), do escritor escocês Irvine Welsh, celébre por seu primeiro trabalho Trainspotting, o qual em 1996 virou filme nas mãos do premiado diretor Danny Boyle (Quem quer ser um milionário?) e alcançou o status de cult quase imediatamente entre grupos underground. A história, que não poupa polêmicas pelo abuso excessivo de drogas, prostituição e violência fala da vida de um grupo de jovens viciados em heroína, em Edimburgo, na Escócia. Num subúrbio, quatro jovens sem perspectivas mergulham no submundo para manter seu vício pela heroína. Pessoas que utilizam as mais diversas máscaras para manter o vício e marcham inexoravelmente para o fim das amizades e, simultaneamente, para a autodestruição.

Com o burburinho causado pelo livro e o filme, Welsh não perdeu a pegada de dar um novo rumo na vida desses jovens e continuou a história com dez anos mais tarde, quando quase todos personagens do primeiro livro sobrevivem e, milagrosamente assumem novas características em suas vidas pessoais. Naturalmente, figuras fadadas ao fracasso, crime e prostituição seguem seus instintos naturais num cenário gótico e úmido, o qual Welsh descreve muito bem. As histórias se desenrolam em atos na Escócia, Inglaterra e Holanda, aonde cada personagem vai se enquadrando em um objetivo comum: a pornografia.

Diferente do primeiro livro, Sick Boy é o protagonista da vez, deixando o ex-amigo e traidor Rents em segundo plano. A idéia agora, além de reaver o dinheiro roubado por Rents, é se afundar numa indústria de sexo amador com ambicioso profissionalismo movido pela perversão. As drogas não ficam de fora, mas Welsh dessa vez explora um novo tipo de violência, em que a sacanagem é apenas a porta de entrada para o submundo dos filmes pornôs.

O livro é denso, detalhista, provocante e perturbador em certos momentos, o que foi uma tarefa difícil, mas não impossível, para adaptá-la para o teatro. Desde o dia 09 de fevereiro, no Vegas Club, em São Paulo. Eduardo Ruiz apresenta a obra de Welsh. Coube ao diretor Gustavo Machado a tarefa de criar uma atmosfera independente do cinema para essa turma dez anos depois. Com elenco afinado, o espetáculo — lançado na balada Vegas e agora ambientado no Studio SP da Vila Madalena — tem vida própria. Entre carreiras de cocaína, Sick Boy (o ator Sérgio Guizé) cuida de um boteco. Spud (papel de Fábio Ock) se vê impotente diante do mundo. Franco (Guilherme Lopes), recém-saído da prisão, procura um rumo. Renton (Pablo Sgarbi) tenta outra vez se dar bem. Outras figuras se interligam ao quarteto na produção de um filme pornô. É imperdível para os fãs do filme e para quem não tem medo de observar a decadência do ser humano em estado avançado.