Texto publicado no jornal Ícone - edição de junho - o qual estou disponibilizando agora no blog.
“Três em
cada quatro políticos não sabem que país é esse. O quarto acha que é a Suíça.” Com esse humor ácido
ficou conhecido o jornalista, cronista e escritor Ivan Lessa, morto aos 77 anos
no último dia 8 de junho, em Londres, onde estava em um auto-exílio desde 1978.
Lessa era filho dos escritores Origenes e Elsie Lessa, nasceu em São Paulo e
foi criado no Rio de Janeiro. Com Ziraldo, Millôr Fernandes, Tarso de Castro e
Jaguar, fez parte do grupo que criou o jornal "O Pasquim", em 1969,
durante o período mais ferrenho da ditadura militar.
No
geral, Lessa era aquele tipo de brasileiro que não poupava esforços para
criticar o Brasil por conta de seus infindáveis problemas, grande parte deles
gerados pela nossa própria história de uma colonização predadora e ignorante.
Para nós, meros espectadores da roubalheira e desorganização do país
tupiniquim, as falcatruas dos nossos governantes causavam nauseante mal-estar
no escritor que não digeria o pesadelo institucional do Brasil e escrevia três
colunas por semana para a BBC Brasil.
Por
conta disso, Lessa colecionava inimigos e “pseudopatriotas”, os quais
consideravam hipocrisia do jornalista criticar o país a uma distância segura no
conforto de Londres. Ledo Engano. Lessa foi, talvez, a figura mais importante
ao lado de Millôr (também morto nesse ano) de uma classe intelectual
tristemente pouco lembrada pelo povo brasileiro. Tinha seu perfil rabugento,
mas nunca deixou de ser um filho da pátria (mas que naturalmente dependia dela
para seu próprio trabalho).
O
escritor tinha plena adoração pelo Brasil, em especial pelo Rio, onde passou a
maior parte da sua infância, no entanto, remetia esses elogios a um passado
dourado e elegante da cidade que foi jogada às traças, segundo ele mesmo dizia.
Em 2006, depois de 28 anos sem dar as caras no Brasil, Ivan foi convidado pela
revista Piauí para fazer um retrato da cidade. “Copacabana, Ipanema,
Leblon, Centro, zonas Leste e Oeste, o que quiserem. Curtam o
pôr-do-sol, recortem o Corcovado e os Dois Irmãos e botem à venda no eBay.
Virá gente. Muita gente. Mas uma vezinha só, ao contrário de
Naomi Cambell, que, como se sabe, nasceu e continua assombrando o
pobre do bairro de Catumbi. Aqui, no Rio, como poderia escrever o poeta sobre
Macau, nada de interessante ou sério aconteceu ou acontecerá.”
Assim, com um
potente petardo Ivan desmerecia sem rodeios muitas das nossas idolatradas
belezas. Era um sádico, ingrato, mal educado, canastrão? Não, era um sujeito
franco que utilizava a inteligência como uma arma de destruição em massa. A
nossa massa em particular.
Tinha o
sentimento de tragédia e falta de esperança por nós. Povo sem respeito. Será
que buscamos padrões de civilizações destroçadas pelas guerras civis e
supervisão de caudilhos megalomaníacos?
A partida de
Lessa nos deixa mais órfãos. Sem eles, somos criados, burros de carga, cegos ao
volante, já que não existe mais ninguém para nos dizer o contrário.
Reuni abaixo
algumas das célebres citações do jornalista
“Baiano não dá
bandeira. Hasteia.”
“Amar é...Ser
a primeira a reconhecer o corpo dele no Instituto Médico Legal.”
“A cada quinze
anos, o Brasil se esquece o que aconteceu nos últimos quinze anos”
“Não a motivo
algum para sentirmos a vontade no mundo. Os alienígenas somos nós”
“O brasileiro
tem que ter os dois pés no chão, e as duas mãos também”
Leonardo Carvalho
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