terça-feira, 20 de março de 2012

No fundo do Pornô


Tenho o costume de recomendar nessa coluna os mais diversos livros, os que me agradam, naturalmente, no entanto, neste mês vou fazer um bem bolado coma cultura pop (depende do seu ponto de vista) e fazer uma indicação dupla, que vai pegar todos seus amigos fãs de literatura e filmes do Goddard de surpresa. Trata-se do livro Pornô (2002), do escritor escocês Irvine Welsh, celébre por seu primeiro trabalho Trainspotting, o qual em 1996 virou filme nas mãos do premiado diretor Danny Boyle (Quem quer ser um milionário?) e alcançou o status de cult quase imediatamente entre grupos underground. A história, que não poupa polêmicas pelo abuso excessivo de drogas, prostituição e violência fala da vida de um grupo de jovens viciados em heroína, em Edimburgo, na Escócia. Num subúrbio, quatro jovens sem perspectivas mergulham no submundo para manter seu vício pela heroína. Pessoas que utilizam as mais diversas máscaras para manter o vício e marcham inexoravelmente para o fim das amizades e, simultaneamente, para a autodestruição.

Com o burburinho causado pelo livro e o filme, Welsh não perdeu a pegada de dar um novo rumo na vida desses jovens e continuou a história com dez anos mais tarde, quando quase todos personagens do primeiro livro sobrevivem e, milagrosamente assumem novas características em suas vidas pessoais. Naturalmente, figuras fadadas ao fracasso, crime e prostituição seguem seus instintos naturais num cenário gótico e úmido, o qual Welsh descreve muito bem. As histórias se desenrolam em atos na Escócia, Inglaterra e Holanda, aonde cada personagem vai se enquadrando em um objetivo comum: a pornografia.

Diferente do primeiro livro, Sick Boy é o protagonista da vez, deixando o ex-amigo e traidor Rents em segundo plano. A idéia agora, além de reaver o dinheiro roubado por Rents, é se afundar numa indústria de sexo amador com ambicioso profissionalismo movido pela perversão. As drogas não ficam de fora, mas Welsh dessa vez explora um novo tipo de violência, em que a sacanagem é apenas a porta de entrada para o submundo dos filmes pornôs.

O livro é denso, detalhista, provocante e perturbador em certos momentos, o que foi uma tarefa difícil, mas não impossível, para adaptá-la para o teatro. Desde o dia 09 de fevereiro, no Vegas Club, em São Paulo. Eduardo Ruiz apresenta a obra de Welsh. Coube ao diretor Gustavo Machado a tarefa de criar uma atmosfera independente do cinema para essa turma dez anos depois. Com elenco afinado, o espetáculo — lançado na balada Vegas e agora ambientado no Studio SP da Vila Madalena — tem vida própria. Entre carreiras de cocaína, Sick Boy (o ator Sérgio Guizé) cuida de um boteco. Spud (papel de Fábio Ock) se vê impotente diante do mundo. Franco (Guilherme Lopes), recém-saído da prisão, procura um rumo. Renton (Pablo Sgarbi) tenta outra vez se dar bem. Outras figuras se interligam ao quarteto na produção de um filme pornô. É imperdível para os fãs do filme e para quem não tem medo de observar a decadência do ser humano em estado avançado.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Intolerante Adorável


José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, faz jus à sua fama de diretor competente e inovador, realçando a qualidade de outros profissionais que ajudaram a transformar a Globo no que ela é hoje: líder absoluta de audiência no território nacional. Em um livro encantador, figuras como o lendário diretor Walter Clark, ex-aliado de Boni, são retratadas como pilares importantíssimos na construção do império de comunicação, deixando de lado as rixas pessoais que teriam levado à sua saída da Rede Globo em 1977. Aliás, gentileza é que não falta nas palavras do autor. Desde seus  braços direitos, como o diretor Daniel Filho;  Joe Wallach, o ex-representante do grupo americano Time-Life e então superintendente de Administração; Jose Ulisses Arce, superintendente de Comercialização; e Armando Nogueira, diretor de jornalismo. Além, é claro, de Roberto Marinho, mencionado sempre como "Dr. Roberto", o que dá um tom superior e quase de “mago” ao dono da empresa.

Quem espera pelas fofocas, se desencanta logo nas primeiras páginas, quando o próprio autor adverte que suas memórias são reflexões mais para a curiosidade sobre as empresas e pessoas com quem trabalhou do que a vida particular de figuras notórias da televisão brasileira. Isso, entretanto, não abala a estrutura de um livro muito bem escrito, rico em detalhes e fatos curiosos de um homem que deu enredo ao próprio destino, apostando em seu talento e ambição. Não é de se estranhar, que ele enfatize tanto um dos seus mantras: “Quem quer ser criativo, não pode ter medo de errar. Quem quer ser eficiente, não pode tolerar o erro.”

As quase quinhentas páginas do Livro do Boni são capítulo à parte para quem acompanhou o nascimento da televisão brasileira. Boni não poupa nuances a quem ele classifica de talentos indispensáveis para a consolidação da TV Globo como uma central de produção e não apenas transmissora de programas. Alguns deles, como Abelardo Barbosa, o Chacrinha, compartilha de passagens no limbo e no céu, por conta de seus caprichos excêntricos. Em um deles, em particular, Boni explica a quase tragédia quando Chacrinha, recém-contratado, havia criado um concurso do cão mais pulguento do brasil. O concurso, segundo o próprio apresentador, tinha um apelo de conquistar as classes mais baixas e popularizar o programa, algo que Chacrinha vinha fazendo com grande liberdade na TV Tupi. Acontece que, segundo Boni, o cachorro vencedor tinha aproximadamente sete mil pulgas (lamento, mas nem o autor explica como eles contaram as pulgas) e quase interditou os poucos estúdios da emissora, que ainda rodavam com recursos parcos de uma empresa que quase tinha chegado à falência em 1967.

Aliás, antes de se tonar um exemplo para as outras emissoras, a Rede Globo, amargou anos de aperto financeiro, quando mal tinha condições de pagar seus próprios artistas e funcionários. O salvador da pátria, novela que levaria anos ainda para ser produzida, foi Silvio Santos, que desembolsou os próprios recursos para ajudar a emissora que seria a pedra em seu sapato anos mais tarde.

O livro do Boni se desenrola com uma fluidez impressionante por essas e muitas outras histórias. O leitor fica preso a um texto leve narrado por um “intolerante adorável” que saiu da cidade de Osasco para se tornar um dos ícones da TV Brasileira.