“Acredito que a maioria viva a morte como uma transição, uma passagem da vida que conhecemos para alguma coisa que não conhecemos. Uma transição semelhante ao nascimento, mas em sentido inverso.”
As poucas páginas de Podemos dizer adeus mais uma vez revelam um relato mais denso do que uma pessoa condenada a morte precocemente por conta de um câncer terminal, mas uma defesa de sua obra científica. Aos 31 anos, completados em 1992, o médico David Servan-Schreiber descobriu um tumor agressivo no cérebro e recebeu um prognóstico assustador: dificilmente sobreviveria mais do que seis meses. No entanto, sobreviveu por mais 19 anos, estudou intensivamente para descobrir como poderia contribuir para a própria cura e criou um programa anticâncer baseado em evidências científicas, que transformou em livro e que o ajudou a fortalecer seu organismo para superar uma recaída anos mais tarde.
O primeiro livro, um sucesso editorial, vendeu mais de um milhão de exemplares e transmitia além de esperança uma postura proativa para quem luta contra esse tipo de doença e, ao mesmo tempo, sobre o uso de terapias alternativas aliadas à medicina tradicional. O autor mesmo confessava não saber o quanto tempo ainda restaria a ele, mas buscava afirmar ter escolhido o caminho certo, tentando cultivar ao máximo sua saúde, por exemplo, praticando esportes regularmente, se alimentando de maneira saudável e criando limites para a própria rotina, conciliando com períodos de meditação.
A fórmula pode não ter sido infalível, mas garantiu a David cerca de 20 anos, o que proporcionou um notável sucesso em sua carreira como psiquiatra e, naturalmente, como escritor. Em junho de 2010, David descobriu um novo tumor muito agressivo no cérebro. Foi quando decidiu começar a escrever seu novo e último livro feito para se despedir dos amigos, dos leitores e refletir sobre a vida. "Foi uma oportunidade de dizer adeus a todos os que apreciaram meus livros anteriores ou que vieram me ouvir. Aconteça o que acontecer, tenho grande esperança de que esse adeus não seja o último. Podemos dizer adeus mais de uma vez."
Como leitor, esperamos uma reação melancólica e triste nas palavras de David, mas encontramos uma mensagem muito mais otimista e confortante em relação ao próprio destino. Enquanto o autor vai literalmente se definhando por conta da agressividade do tumor no lóbulo frontal (nos últimos meses, David não conseguia mais andar e a falar com naturalidade, já que o câncer comprometeu sua coordenação motora) recebemos orientações de como podemos alimentar nossas mentes, corpos e almas com equilíbrio, respeitando, principalmente, o planeta ao nosso redor.
Não chega a ser uma despedida estarrecedora, marcada pelo sofrimento de se deixar esposas e filhos pequenos, contudo é de se comover com alguém que soube lidar de maneira tão corajosa e virtuosa à sua própria morte.
David Servan-Schreiber faleceu em 24 de julho de 2011, aos 50 anos, deixando a mulher Gwenaëlle e três filhos, entre eles, um bebê de seis meses: "Ter a possibilidade de preparar a partida é, na verdade, um grande privilégio.(...) Podemos nos preparar para esse momento crucial com a ajuda de bons "aliados": médicos, advogados e, claro, amigos e familiares. Essa provação eu sinto como vital, e para mim é também uma fonte de esperança transpô-la com sucesso. Depois disso, o que acontecerá ‘do outro lado'? Não sei".
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