sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

JANETE


Janete é uma pessoa simpática, meiga, reservada e charmosa. Mas acha que tem um defeito. Se é que podemos levar em conta isso como um defeito. É gorda. Não como qualquer gorda. É espaçosa, cheinha, oval, preguiçosa. Uma gorda de categoria. A gula desordenada e a falta de movimento resultaram em pneus, apelidos maldosos e a solidão. Ah, sim, ela ficou sozinha. Apesar dos 36 anos, ela ainda sonha com o príncipe magro encantado. (Chega de relaxado nessa história) Forte, alto, boa pinta, estereótipo de novela.


Na estrada, 140 quilômetros no velocímetro e 102 kg no assento, o vento balança seu cabelos e corta a fumaça do cigarro. Curvas perigosas, freadas bruscas e pneus patinam no asfalto quente da rodovia. Janete tem pressa. Treme e traga com compulsão. Fechadas e xingamentos. Ela está nervosa. Afinal, foram 22 dias em um inferno, segundo ela própria define. Um Spa no lado inabitável de Piracicaba. Com muitas árvores (não frutíferas), diversos pássaros (espécies raras), piscina (só para ginástica), aulas de yoga, aeróbica, musculação, acompanhamento psicológico e 1200 calorias por dia. Depois das 1.200 calorias confesso que ela mais foi ao psicólogo. Ninguém é de ferro.

Depois da internação, finalmente está na rua. De volta à liberdade. Está de volta com menos 10 dos 40 quilos recomendados. Não faz mal, ela afinal se esforçou. Apesar de ter quase extinto uma boa parte da fauna em um ato desesperado. Lembranças do confinamento, só da tortura e um livro: “Hoje eu acordei gorda”. Suas lembranças geram raiva que refletem na direção perigosa. Como uma predadora atrás da presa ela rastreia enquanto dirige: uma loja de conveniência, pelo amor de Deus.

Logo, depois de uma curva que quase capota ela vê o oásis. Não há tempo nem de reduzir. Desce do carro e entra decida na loja. Desmancha violentamente uma embalagem de chocolate e ocupa os braços com milhares de calorias. Escolhe a esmo. Está cega de ansiedade. Surpreende o atendente e não repara nas pessoas que olham sua gula descontrolada. Respira e esbraveja alguns palavrões. A maioria deles para os controladores da gordura, responsáveis pelo seu tratamento na clínica (perdão, confinamento), e para seu amigo Bráulio. O rapaz havia dito há dias que Janete precisava decidir perder peso. Falou de vantagens, iludiu com desejos, e extrapolou nas histórias. Receosa, se internou e deu no deu. Mais fome e agora também tinha descoberto uma fúria dentro dela. Pensava em talvez estrangular, esfaquear, fuzilar e todos os maus que podem ser cometidos contra um ser humano. Bráulio seria a vítima.

Na saída da loja, com dez quilos a menos, mas que seriam rapidamente recuperados, ela ouve um fiu-fiu. Pára. Primeiro ignora, afinal não estava tão atraente assim. Dá um passo, e novamente um fiu, fiu. Olha para trás, retorna um pouco, joga os chocolates no chão, e procura de seu galanteador. Não ouvia uma cantada desde a adolescência, quando tinha cintura. Se sente
atraente, depois de muitos anos, se sente gostosa. A sensação de segurança faz ela fazer seu olhar de novela. Charme. Volta, dá uma rápida espiada pelas prateleiras, e não encontra ninguém. Frustrada se dirige novamente à porta. Mais uma vez o sensual fiu-fiu. Dessa vez ela identifica. Um macaquinho eletrônico era o responsável pelas cantadas. O sensor de movimento do brinquedo fazia o desejado ruído. Ela olha para o aparelho eletrônico e sente desdém. Suas mãos tremem e sua ação é ofensiva. Joga o macaco no chão e sapateia em cima dele. Sai da loja sob desaforos do gerente e vê um adesivo colado no vidro ao lado do seu carro. “Perca peso. Pergunte-me como?”. Abre o porta-malas, pega a chave de roda, quebra o vidro e sai em disparada. Dois minutos. Volta e compra o macaco.

Dizem que hoje ela desistiu de emagrecer ou procurar um namorado. Está mais feliz do que nunca e mal sai de casa. Sua única preocupação é com o macaquinho, que agora faz fiu- fiu 24 horas por dia, assiste à novela e é testemunha dos strip-tease mais exóticos já presenciados em um conto. Os vizinhos já protestaram pelo barulho, mas Janete não liga. A única coisa de
Que ela quer saber é das pilhas.


Leonardo Carvalho – Setembro 2002

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