quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Mais do que Adeus

“Acredito que a maioria viva a morte como uma transição, uma passagem da vida que conhecemos para alguma coisa que não conhecemos. Uma transição semelhante ao nascimento, mas em sentido inverso.”

As poucas páginas de Podemos dizer adeus mais uma vez revelam um relato mais denso do que uma pessoa condenada a morte precocemente por conta de um câncer terminal, mas uma defesa de sua obra científica. Aos 31 anos, completados em 1992, o médico David Servan-Schreiber descobriu um tumor agressivo no cérebro e recebeu um prognóstico assustador: dificilmente sobreviveria mais do que seis meses. No entanto, sobreviveu por mais 19 anos, estudou intensivamente para descobrir como poderia contribuir para a própria cura e criou um programa anticâncer baseado em evidências científicas, que transformou em livro e que o ajudou a fortalecer seu organismo para superar uma recaída anos mais tarde.

O primeiro livro, um sucesso editorial, vendeu mais de um milhão de exemplares e transmitia além de esperança uma postura proativa para quem luta contra esse tipo de doença e, ao mesmo tempo, sobre o uso de terapias alternativas aliadas à medicina tradicional. O autor mesmo confessava não saber o quanto tempo ainda restaria a ele, mas buscava afirmar ter escolhido o caminho certo, tentando cultivar ao máximo sua saúde, por exemplo, praticando esportes regularmente, se alimentando de maneira saudável e criando limites para a própria rotina, conciliando com períodos de meditação.

A fórmula pode não ter sido infalível, mas garantiu a David cerca de 20 anos, o que proporcionou um notável sucesso em sua carreira como psiquiatra e, naturalmente, como escritor. Em junho de 2010, David descobriu um novo tumor muito agressivo no cérebro. Foi quando decidiu começar a escrever seu novo e último livro feito para se despedir dos amigos, dos leitores e refletir sobre a vida. "Foi uma oportunidade de dizer adeus a todos os que apreciaram meus livros anteriores ou que vieram me ouvir. Aconteça o que acontecer, tenho grande esperança de que esse adeus não seja o último. Podemos dizer adeus mais de uma vez."

Como leitor, esperamos uma reação melancólica e triste nas palavras de David, mas encontramos uma mensagem muito mais otimista e confortante em relação ao próprio destino. Enquanto o autor vai literalmente se definhando por conta da agressividade do tumor no lóbulo frontal (nos últimos meses, David não conseguia mais andar e a falar com naturalidade, já que o câncer comprometeu sua coordenação motora) recebemos orientações de como podemos alimentar nossas mentes, corpos e almas com equilíbrio, respeitando, principalmente, o planeta ao nosso redor.

Não chega a ser uma despedida estarrecedora, marcada pelo sofrimento de se deixar esposas e filhos pequenos, contudo é de se comover com alguém que soube lidar de maneira tão corajosa e virtuosa à sua própria morte.

David Servan-Schreiber faleceu em 24 de julho de 2011, aos 50 anos, deixando a mulher Gwenaëlle e três filhos, entre eles, um bebê de seis meses: "Ter a possibilidade de preparar a partida é, na verdade, um grande privilégio.(...) Podemos nos preparar para esse momento crucial com a ajuda de bons "aliados": médicos, advogados e, claro, amigos e familiares. Essa provação eu sinto como vital, e para mim é também uma fonte de esperança transpô-la com sucesso. Depois disso, o que acontecerá ‘do outro lado'? Não sei".


segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Esquisito Fantástico

Existem vários tipos de escritores. Os ruins, os bons (que oscilam sempre entre livros ótimos e regulares), os inteligentes, os exageradamente intelectuais (raça responsável por fazer muitos leitores questionarem a própria insignificante existência) e os malucos. Não quero necessariamente criar uma escala daquilo que é importante para seu cérebro trabalhar – e evitar o Alzheimer – pois, acredite, tem gente que se inspira lendo coisas ruins. Dentre as coisas que classifico ótimas, está um desses escritores bem esquisitos e que acabamos descobrindo esbarrando em suas obras quando nos agachamos para amarrar o sapato dentro de uma livraria.

Igual a um clichê de filme de baixo orçamento, eu encontrei o livro do americano Christopher Moore recentemente em uma grande livraria de São Paulo, tentando passar despercebido com seu livro de cor lilás ou roxa, que lembra muito bem a cor do terceiro uniforme do Corinthians. O instigante Um trabalho Sujo conta a história de Charlie Asher, um cara bastante normal. Um pouco avoado, neurótico acima da média, um tanto hipocondríaco. Ele é o que se conhece por Macho Beta: o tipo de sujeito que consegue se safar sendo cuidadoso e persistente. Aquele tipo que aparece no momento certo para consolar a garota que levou um pé na bunda do maior,mais alto,mais forte Macho Alfa. As pessoas “batem as botas” perto dele, corvos gigantes se empoleiram na fachada de seu prédio, e parece que, em todo canto que ele vai, forças malignas lhe sussurram dos canos de esgoto. Nomes desconhecidos começam a aparecer na agenda de Charlie e, antes que ele se dê conta, essas pessoas já partiram desta para melhor. E assim, nosso protagonista foi recrutado para um novo trabalho, bastante desagradável, mas absolutamente indispensável, e seu patrão é nada mais nada menos do que a Morte.

Ao longo da vida, a maioria das pessoas imagina a profissão que vai ter ou aquela que poderia ter tido. De todas as opções, uma certamente seria impensável: tornar-se um funcionário da Morte. Pois bem. Com muitos anos de uma vida tranqüila e estável, caberá a Charlie Asher essa função estranha, maluca e grandiosamente divertida.

O autor já é muito conhecido e cultuado nos EUA com mais de dez livros, e já havia pintado por aqui após falar da juventude desregrada de Jesus em O Cordeiro. Nesse trabalho, além de uma história hilária, apresenta personagens divertidíssimos, como os ajudantes de Charlie na loja, Ray, um ex-policial viciado em pornografia virtual e Lily, uma adolescente problema que gosta de se vestir de maneira despojada, se maquiar como gótica e enxergar o mundo com extremos mal humor e ironia.

A grandeza de Moore nessa obra está em não transformar o humor em algo idiota e previsível, ou seja, o desgastado pastelão. Sua maneira ágil de pensar em diálogos rápidos, ácidos e, muitas vezes, de uma vulgaridade infernal, o fazem parar diversas vezes para respirar para as próximas risadas. Moore é genial, excêntrico - pode ter certeza que ele sabe disso – e deliciosamente criativo. Me faz refletir se uma obra dele na mão de Tarantino não se tornaria algo brilhante.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Os 007 cubanos

"Longe da vida faustosa que as pessoas estão habituadas a vem em filmes como os de James Bond, o agente britânico criado pelo escritor Ian Fleming, os 007 cubanos passavam o tempo contando tostões. O orçamento disponibilizado por Havana para manter em funcionamento a Rede Vespa não chegava a 200 mil dólares anuais - aí incluída a manutenção de todos os agentes, seus aluguéis, gastos pessoais e operacionais." Com impressionante faro para descobrir boas histórias, o renomado escritor Fernando Morais, apresenta o recém lançado Os últimos soldados da guerra fria, Companhia das Letras, 416 páginas.

Para um observador das obras e história de Morais, é quase que inevitável tentar encontrar um texto tendencioso a respeito do regime de Fidel Castro na ilha caribenha. O notável, entretanto, está na imparcialidade das ricas e detalhadas informações colhidas pelo escritor com documentos oficiais – e alguns secretos – do governo cubano e americano ao longo de anos de pesquisa, quando soube da prisão de espiões cubanos infiltrados nos EUA, em 1988. O intrigante da história se resume a um grupo de gentes cubanos, que saíram ou foram expulsos da ilha como desertores para viver em Miami e, em seguida, infiltrar-se em grupos de cubanos refugiados anticastristas que planejavam e financiavam atos terroristas em locais turísticos da ilha. Após o fim da URSS, a economia de Cuba dependia basicamente do turismo, e os grupos de Miami acreditavam que os turistas, com medo desses ataques, deixariam de visitar a ilha, o que enfraqueceria a economia ainda mais e, conseqüentemente, Fidel Castro perderia poder.

Ao folhear as primeiras páginas do livro, temos a sensação de mergulhar numa magnetizante história de ficção repleta de mentiras, disfarces e missões suicidas no que parece ser um roteiro digno de Hollywood. Em especial atenção aos personagens Juan Pablo Roque, que foge da ilha numa condição cinematográfica e é recebido pelo governo dos EUA como herói e romanticamente batizado pela imprensa como Richard Gere latino, em razão da notável semelhança com o ator americano. Roque, na verdade, é ex-piloto de caças supersônico MIG-23, heranças russas do arsenal bélico cubano que garantiam uma cautelosa cortina defensiva à pequena ilha, e se infiltra nas organizações anticastristas como um informante prodigioso.

A perplexidade da história está na aventura desses personagens, dedicados e fiéis a revolução de Castro, que vêem o governo como um guia e se expõe a sacrifícios inusitados, como ter empregos extras para garantir a própria subsistência e pedir permissão da ilha para namorar ou se casar com cidadãs americanas ou refugiados cubanos. Convenhamos, que algo bem distante da realidade do elegante - e quase alcoólatra - agente inglês James Bond.

Em dois capítulos é de se perder o fôlego com a surreal missão de um mercenário salvadorenho, contratado pelos grupos anti-castro de Miami, para implantar bombas em hotéis e pontos turísticos de Cuba. O amadorismo do “agente” nos faz repensar sobre o conceito de sorte e, o romantismo empregado a esse personagem, cria-se um anti-herói quase que inocente e fã dos filmes de Silvester Stallone.

Com esse enredo, Morais tem brilho em absorver detalhes técnicos ao expor um texto muito bem amarrado e revisado, aliás, uma característica do escritor que realmente pesquisa e entrevista cada personagem. Só por esse motivo, o livro já sai na frente, já que tudo o que se lê sobre as relações diplomáticas cubano-americanas refletem a precisa realidade.

Direitistas e declarados críticos dos irmãos Castro não devem sentir culpa para ler um livro tão interessante, até porque Fidel, nesse caso, passa a ser um mero coadjuvante numa história tão incrível.