Há artistas devidamente escorraçados
na mídia, que, de tanto criarem polêmicas, caem numa espécie de ostracismo e
passam a viver em universos alternativos, o que acaba tornando-os cult. Não
sei se João Luíz Woerdenbag Filho, popularmente conhecido como Lobão, se enquadra
exatamente nesse perfil, porém, uma das figuras de conceitos mais anarquistas
contra as gravadoras em nosso país,tem uma história ácida e elegante em seu livro
50 anos a mil, que quase dois anos depois do burburinho gerado em cima do livro
resolvi destrinchá-lo.
Os levianas de plantão que me perdoem,
não podem julgar o próprio pela relevância de um dos vídeos mais populares do
artista no youtube (quase 300 mil visualizações), onde o público rechaçou a
participação da banda do músico a base de garrafadas na noite do metal no Rock
in Rio II. Lobão é muito mais que isso.
Num livro de quase 600 páginas, sendo
que outras mil foram limadas antes da edição final, feita com o auxílio do
jornalista Claudio Tognolli, o qual se encarregou de reunir os fatos publicados
na mídia, legitimando assim o discurso do autor, Lobão conta a sua intensa
história com a ajuda da memória de amigos célebres, como Cazuza, Evandro
Mesquita, Lulu Santos, Julio Barroso, entre outros. Aliás, esse último, serve
como abertura do livro, quando ele e Cazuza cheiraram cocaína no caixão durante
o velório do amigo falecido, líder do grupo Gang 90 e as Absurdettes.
Os amigos presentes em fotos e em
histórias que dão corpo à obra é outro coadjuvante, assim como as bandas
pré-carreira solo: Vímana e Blitz, a quem Lobão diz ter batizado, por mais que
o cantor Evandro Mesquita não confirme o fato.
Boa parte do livro também tem forte
influência da família do músico, em especial a mãe, mulher liberal e quase ao
mesmo tempo reacionária na criação dos filhos. Lobão não poupa detalhes dessa
relação de amor e ódio que manteve com os pais, desenhando um mundo entre o
absurdo e a ternura. A mãe de Lobão sem dúvida ganha destaque pelos
acontecimentos surreais para uma época moralista de uma família aristocrata. É
de se perder o fôlego em episódios quando ele, junto da irmã mais nova, provam
maconha com consenso da mãe, o que acabou gerando a sua expulsão, com total
ausência de delicadeza por parte do pai, de casa.
No livro, é fácil imaginar a voz de
Lobão narrando os casos, por conta da opção de preservar “léxico e a sintaxe
peculiares e autorais" do biografado, segundo nota do editor. Portanto, episódios
como o de sua passagem pela cadeia, fuga do Brasil e guerra contra as
gravadoras tomam uma vivacidade surpreendente.
Não é natural se aproximar de uma
biografia de alguém que te remete mais ao caos que ao próprio trabalho. Contudo,
50 anos a mil tem muito mais que isso. A energia é contagiante vinda de um
músico inteligente, criativo e, por vezes, perturbado e neurótico. Um livro
necessário para quem aprecia música e história do rock nacional.