"Longe da vida faustosa que as pessoas estão habituadas a vem em filmes como os de James Bond, o agente britânico criado pelo escritor Ian Fleming, os 007 cubanos passavam o tempo contando tostões. O orçamento disponibilizado por Havana para manter em funcionamento a Rede Vespa não chegava a 200 mil dólares anuais - aí incluída a manutenção de todos os agentes, seus aluguéis, gastos pessoais e operacionais." Com impressionante faro para descobrir boas histórias, o renomado escritor Fernando Morais, apresenta o recém lançado Os últimos soldados da guerra fria, Companhia das Letras, 416 páginas.
Para um observador das obras e história de Morais, é quase que inevitável tentar encontrar um texto tendencioso a respeito do regime de Fidel Castro na ilha caribenha. O notável, entretanto, está na imparcialidade das ricas e detalhadas informações colhidas pelo escritor com documentos oficiais – e alguns secretos – do governo cubano e americano ao longo de anos de pesquisa, quando soube da prisão de espiões cubanos infiltrados nos EUA, em 1988. O intrigante da história se resume a um grupo de gentes cubanos, que saíram ou foram expulsos da ilha como desertores para viver em Miami e, em seguida, infiltrar-se em grupos de cubanos refugiados anticastristas que planejavam e financiavam atos terroristas em locais turísticos da ilha. Após o fim da URSS, a economia de Cuba dependia basicamente do turismo, e os grupos de Miami acreditavam que os turistas, com medo desses ataques, deixariam de visitar a ilha, o que enfraqueceria a economia ainda mais e, conseqüentemente, Fidel Castro perderia poder.
Ao folhear as primeiras páginas do livro, temos a sensação de mergulhar numa magnetizante história de ficção repleta de mentiras, disfarces e missões suicidas no que parece ser um roteiro digno de Hollywood. Em especial atenção aos personagens Juan Pablo Roque, que foge da ilha numa condição cinematográfica e é recebido pelo governo dos EUA como herói e romanticamente batizado pela imprensa como Richard Gere latino, em razão da notável semelhança com o ator americano. Roque, na verdade, é ex-piloto de caças supersônico MIG-23, heranças russas do arsenal bélico cubano que garantiam uma cautelosa cortina defensiva à pequena ilha, e se infiltra nas organizações anticastristas como um informante prodigioso.
A perplexidade da história está na aventura desses personagens, dedicados e fiéis a revolução de Castro, que vêem o governo como um guia e se expõe a sacrifícios inusitados, como ter empregos extras para garantir a própria subsistência e pedir permissão da ilha para namorar ou se casar com cidadãs americanas ou refugiados cubanos. Convenhamos, que algo bem distante da realidade do elegante - e quase alcoólatra - agente inglês James Bond.
Em dois capítulos é de se perder o fôlego com a surreal missão de um mercenário salvadorenho, contratado pelos grupos anti-castro de Miami, para implantar bombas em hotéis e pontos turísticos de Cuba. O amadorismo do “agente” nos faz repensar sobre o conceito de sorte e, o romantismo empregado a esse personagem, cria-se um anti-herói quase que inocente e fã dos filmes de Silvester Stallone.
Com esse enredo, Morais tem brilho em absorver detalhes técnicos ao expor um texto muito bem amarrado e revisado, aliás, uma característica do escritor que realmente pesquisa e entrevista cada personagem. Só por esse motivo, o livro já sai na frente, já que tudo o que se lê sobre as relações diplomáticas cubano-americanas refletem a precisa realidade.
Direitistas e declarados críticos dos irmãos Castro não devem sentir culpa para ler um livro tão interessante, até porque Fidel, nesse caso, passa a ser um mero coadjuvante numa história tão incrível.