terça-feira, 17 de abril de 2012

50 mil vezes Lobão


Há artistas devidamente escorraçados na mídia, que, de tanto criarem polêmicas, caem numa espécie de ostracismo e passam a viver em universos alternativos, o que acaba tornando-os cult. Não sei se João Luíz Woerdenbag Filho, popularmente conhecido como Lobão, se enquadra exatamente nesse perfil, porém, uma das figuras de conceitos mais anarquistas contra as gravadoras em nosso país,tem uma história ácida e elegante em seu livro 50 anos a mil, que quase dois anos depois do burburinho gerado em cima do livro resolvi destrinchá-lo.

Os levianas de plantão que me perdoem, não podem julgar o próprio pela relevância de um dos vídeos mais populares do artista no youtube (quase 300 mil visualizações), onde o público rechaçou a participação da banda do músico a base de garrafadas na noite do metal no Rock in Rio II. Lobão é muito mais que isso.

Num livro de quase 600 páginas, sendo que outras mil foram limadas antes da edição final, feita com o auxílio do jornalista Claudio Tognolli, o qual se encarregou de reunir os fatos publicados na mídia, legitimando assim o discurso do autor, Lobão conta a sua intensa história com a ajuda da memória de amigos célebres, como Cazuza, Evandro Mesquita, Lulu Santos, Julio Barroso, entre outros. Aliás, esse último, serve como abertura do livro, quando ele e Cazuza cheiraram cocaína no caixão durante o velório do amigo falecido, líder do grupo Gang 90 e as Absurdettes.

Os amigos presentes em fotos e em histórias que dão corpo à obra é outro coadjuvante, assim como as bandas pré-carreira solo: Vímana e Blitz, a quem Lobão diz ter batizado, por mais que o cantor Evandro Mesquita não confirme o fato.

Boa parte do livro também tem forte influência da família do músico, em especial a mãe, mulher liberal e quase ao mesmo tempo reacionária na criação dos filhos. Lobão não poupa detalhes dessa relação de amor e ódio que manteve com os pais, desenhando um mundo entre o absurdo e a ternura. A mãe de Lobão sem dúvida ganha destaque pelos acontecimentos surreais para uma época moralista de uma família aristocrata. É de se perder o fôlego em episódios quando ele, junto da irmã mais nova, provam maconha com consenso da mãe, o que acabou gerando a sua expulsão, com total ausência de delicadeza por parte do pai, de casa.

No livro, é fácil imaginar a voz de Lobão narrando os casos, por conta da opção de preservar “léxico e a sintaxe peculiares e autorais" do biografado, segundo nota do editor. Portanto, episódios como o de sua passagem pela cadeia, fuga do Brasil e guerra contra as gravadoras tomam uma vivacidade surpreendente.

Não é natural se aproximar de uma biografia de alguém que te remete mais ao caos que ao próprio trabalho. Contudo, 50 anos a mil tem muito mais que isso. A energia é contagiante vinda de um músico inteligente, criativo e, por vezes, perturbado e neurótico. Um livro necessário para quem aprecia música e história do rock nacional.